
Era uma vez uma pequena povoação chamada Aldeia Nova, onde, nos anos 60, existiam sete tocadores de viola campaniça. Ali, por haver tantos tocadores ou por haver muita mocidade, cantava-se muito bem, "armando-se balhos" e festas todos os domingos e dias santos. Durante o Verão, as festas decorriam na rua, nomeadamente aquelas que eram consagradas a S. João, Santa Isabel, S. Pedro e Santa Maria, altura em que se erguiam mastros e se convivia e dançava em seu redor. No Inverno recorria-se a casas amplas, às vezes arrecadações, e todas as semanas decorriam "bailaricos" e "cantorias", quase sempre acompanhados ao som da campaniça.
As "moças" cantavam muito bem, frequentemente sozinhas, fazendo a polifonia tradicional do cante alentejano. Ali, a tradição tinha uma regra fixa: o alto (terceira voz superior à melodia) era cantado apenas por uma só voz, masculina ou feminina. De resto, imperava a liberdade e conveniência do momento: tanto cantavam sozinhas as mulheres, como os homens, ou todos em conjunto. Não havia fainas agrícolas em que não se ouvisse cantar e os tempos de lazer eram invariavelmente ocupados a cantar e a bailar.
Um dia tudo terminou abruptamente: em 1971, a Aldeia Nova desapareceu sob as águas da barragem do Monte da Rocha, inaugurada nesse ano, e os seus habitantes tiveram que se instalar em povoações próximas. Natural da Aldeia Nova, residente em Ourique-Gare, Francisco António, conhecido por Chico Bailão, foi o mestre que me passou o saber da arte de dedilhar a viola campaniça. Durante as aulas, que decorriam aos domingos à tarde em sua casa, o mestre contava-me todos os bons momentos vividos na sua pequena aldeia aquando da mocidade, uma moda atrás da outra. A cada aula que passava, percebia-se a alegria do mestre em ensinar-me a sua arte, que trazia do seu pai e que poderia continuar viva, mesmo sem a sua presença.
Dedico todas estas palavras, numa forma de agradecimento, ao grande mestre Chico Bailão e ao seu sobrinho Manuel Bento.